FOTOGRAFIAS DE MARIA HELENA VIEIRA DA SILVA E DE ARPAD SZENES
Na fotobiografia de Vieira da Silva, João Cutileiro
acompanha os retratos que fez de Vieira e de Arpad com a memória do primeiro
encontro com a pintora. Sem Arpad, Vieira chegou a casa da família de João
Cutileiro levada pela também pintora Estrela Faria, amiga desde o liceu do pai
do escultor, o médico José Jacinto Cutileiro, já então, em 1952, proibido por
razões políticas de ocupar em Portugal emprego público. João Cutileiro tinha 15
anos, Vieira uns 44, já com uma grande carreira, pedia nesse ano, pela segunda
vez, a reposição da cidadania que, de novo, lhe seria negada. O adolescente
Cutileiro desenhou a pintora, num retrato que, passado uns anos, viu com
orgulho na parede do ateliê de Paris. Só mais tarde, noutros encontros, que não
foram muitos, surgiriam os retratos fotográficos. João Cutileiro gostava de
dizer que a fotografia era a primeira das artes, muito embora fosse das últimas
a ser inventada: uma tecnologia que demorou para dar expressão ao impulso
primevo de fixar o instante. Esse fixar do momento fugidio marcou-lhe, contudo,
talvez menos a fotografia, onde preferiu o retrato, do que o desenho, ou algumas
séries de esculturas voyeuristas de instantes roubados a intimidades. Mas
Cutileiro foi um fotógrafo compulsivo desde os anos londrinos, em que a
fotografia chegou a ser uma fonte de rendimento necessária. Dessa vontade
incessante de fotografar ficou um impressionante arquivo de seis décadas,
documentando milhares de contactos, várias gerações de amigos e conhecidos em
que se contaram não poucos nomes fundamentais da cultura portuguesa e europeia,
e que constitui uma parte importante do espólio que deixou ao Estado Português.
A fotografia digital, sem revelação demorada nem necessidade de poupanças nos
disparos, alimentou-lhe a sofreguidão no roubo da imagem de quase todos os que
com ele se cruzavam. Se não encontrássemos o João coberto de pó e de protetores
auriculares na cabeça, então era muito provável que o víssemos de máquina
fotográfica ao pescoço, pronta a disparar nos intervalos dos copos e do petisco,
uma espécie de complemento natural da confraternização, um recolher mais
perdurável dos momentos efémeros da amizade.
Joaquim Caetano
